Multiparernidade

Justiça do Ceará reconhece multiparentalidade

06/05/2015

Fonte: Assessoria de Comunicação IBDFAM com informações da DPGE-CE

Em decisão inédita no Estado, a 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza acatou o pedido incidental da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPGE) em processo de adoção e reconheceu o direito de uma criança ser registrada em nome de um pai e duas mães.

 

No caso, após o falecimento de sua mãe biológica a criança passou aos cuidados do casal adotante, que há quatro anos criava a mesma como se fosse filha e desejava regularizar a situação. A criança manifestou desejo de manter o nome da mãe biológica no registro, mesmo com a adoção. A DPGE requereu que os nomes dos pais adotivos passassem a constar da certidão de nascimento da adotanda sem a exclusão do nome de sua mãe biológica.

 

Para a promotora de Justiça Priscila Matzenbacher Tibes Machado, membro do IBDFAM, a decisão vai ratificar a posição jurídica quanto ao reconhecimento da multiparentalidade. “A decisão da Justiça Cearense é ‘maravilhosa’, primeiro em razão da sensibilidade da Magistrada ao olhar os fatos reais daquela causa judicial e, principalmente, por atender ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, no caso, daquela menina que, inobstante já ter desenvolvido laços afetivo-filiais com o casal que a adotara, manteve sua identidade com a mãe falecida sendo, por consequência, fundamental para sua personalidade ainda em formação a manutenção desta filiação materna em seu registro e, realmente, não se pode pensar ocorrer o contrário, a menos que sua genitora, quando em vida, tenha sido ausente da vida da filha. Esta decisão também vem ratificar a posição jurídica quanto ao reconhecimento da multiparentalidade, sendo ela mais uma de várias decisões provenientes de praticamente todos os Estados da Federação Brasileira que reconhecem a multiparentalidade como um fato social que deve ser, após devidamente identificado por meio de critérios psicossociais, declarado espécie de filiação, derivada da filiação socioafetiva”.

 

Segundo ela, a multiparentalidade ainda não é consenso no Judiciário brasileiro. No entanto, alguns casos que foram negados em primeiro grau foram concedidos em nível recursal, o que contribui para o aumento no reconhecimento da multiparentalidade. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem reconhecendo a importância e conferindo grande peso jurídico à filiação socioafetiva, o que é fundamental, visto que a afetividade como espécie de filiação é a base jurídico-argumentativa da multiparentalidade.

 

“Apenas gostaria de esboçar uma preocupação, até para que, quiçá, possa toda a classe jurídica refletir a respeito: é quanto ao reconhecimento da filiação socioafetiva apenas na perspectiva dos pais, ou seja, de se buscar provas da filiação socioafetiva apenas na perspectiva do pai ou da mãe olvidando-se, às vezes, do sentir do filho. Explico: é consenso que uma pessoa que registra como seu filho alguém sabedor de que não é o pai, por exemplo, não pode, após anos de convivência, querer negar tal paternidade, já que não há ocorrência de erro, dolo, coação ou fraude ou mesmo qualquer outro vício de consentimento no estabelecimento desta relação filial. Contudo, havendo alguma das hipóteses de erro ou vício de vontade, de acordo com a Lei e da Jurisprudência, ela pode ser desfeita. Ocorre que, no nosso sentir, e principalmente em respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do próprio fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, do qual os direitos de personalidade são corolários, mesmo em tais casos é necessário investigar a perspectiva do filho nessa relação, pois é muito possível que o filho tenha desenvolvido relação socioafetiva com o genitor que nega a paternidade fundado em permissivos legais. Em tais casos, geralmente, além de se valorar o erro ou vício de consentimento, como autorizador para a extinção do vínculo de paternidade, geralmente se sustenta que o genitor não quer a paternidade, que se afastou completamente do filho ao saber que não era pai ou até mesmo passou a repudiá-lo.No entanto, entendo que os interesses do filho, no caso sendo criança ou adolescente, devem se sobrepor e ser analisada sua identificação com o pai, isto é, a filiação deve ser analisada sempre na perspectiva do filho e de seu melhor interesse, mesmo nos casos sujeitos à nulidade/anulação”, reflete Priscila.

 

Priscila destaca que reconhecer o direito a diversos vínculos familiares é reconhecer e regular os fatos da vida. Garantir a vida em sociedade de maneira que todos, indistinta e independentemente de suas diferenças, possam conviver e ter acesso aos bens da vida. “É garantir os direitos fundamentais a todos os homens, entre os quais se amoldam à hipótese: à liberdade, à igualdade, à não discriminação, e o mais importante: o respeito ao fundamento da dignidade da pessoa humana, base valorativa dos Direitos Humanos, que garante o reconhecimento do ser humano como digno de ser diferente e que suas diferenças não sejam impedimentos para viver de maneira plena e respeitosa em sociedade”.